Números são da Grande Vitória, desde janeiro deste ano
Do primeiro encontro para a vida em comum foi um pulo. Ele parecia um príncipe encantado; ela, professora, em busca de um novo amor, nem via os sinais de alerta que, aos poucos, eram emitidos pelo rapaz – não se dar bem com os pais dele, falar mal da ex-mulher, e ter um humor muito instável.
Até que, numa madrugada de setembro de 2010, ele lhe desferiu vários tapas no rosto e quebrou um dos seus braços. Desde então, ela já passou por várias cirurgias e está há quase dois anos afastada da escola. Denunciado à polícia, ele desapareceu. À solta por aí, terá feito mais vítimas?
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Essa história é uma das muitas que compõem as estatísticas de violência contra a mulher e que dão, ao Espírito Santo, um vergonhoso primeiro lugar nessa área. Segundo estudos do Instituto Sangari, o Estado registra uma taxa de 9,4 homicídios em cada 100 mil mulheres – contra 4,5 da média nacional.
De janeiro até o dia 19 deste mês, na Grande Vitória, foram assassinadas 55 mulheres. Na Polícia Civil registros de homens que espancam mulheres também revelam um cenário preocupante.
Para se ter uma ideia, o número de inquéritos policiais nas delegacias especializadas de Atendimento à Mulher (Deams) de Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica e Viana, de janeiro a abril deste ano totaliza 1.634 e já representa 40,7% do total registrado em 2011.
Passional
Em nível nacional, estudos mostram que 68% das mulheres que procuraram o Sistema Único de Saúde em 2011 apontaram agressores dentro de suas casas. Em 60% dos casos, quem espanca ou mata é o namorado, marido ou ex-marido.
Delegado de Homicídios e Proteção à Mulher, Adroaldo Lopes reforça essa tese: 20,37% dos assassinatos de mulheres registrados neste ano na Grande Vitória têm causa passional. Outros 59,25% são ligados ao tráfico de drogas.
Os casos, quase sempre, têm o mesmo enredo. Começam com um grito, evoluem para um tapa, uma surra, até resultar em morte. “Os homens se sentem donos das mulheres. E o combustível é, quase sempre, álcool e drogas ilícitas como cocaína e crack”, diz o delegado. Para Lopes, o mundo competitivo fez a mulher perder a “proteção”.
E no cotidiano das delegacias de polícia vê-se que no universo dos casais, a violência começa cedo.
Namoro violento
Delegada da Deam de Vitória, Arminda Rodrigues somente neste mês já registrou quatro casos de agressão de namorados. “A maioria está relacionada com ciúme, machismo”, diz ela.
Como o delegado Lopes, ela está certa de que, com a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006, aumentaram as denúncias, e não os casos. “As mulheres se conscientizaram. Antes, apanhavam e ficavam caladas. E hoje, há mais credibilidade da polícia”, diz a delegada, que insiste: “Aqui notificamos mais. Por isso nossa posição no ranking nacional”.
Coordenadora de Combate à Violência Doméstica contra Mulher no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, a juíza Hermínia Azoury não concorda com essa tese e argumenta que migrações impulsionadas pelos grandes projetos econômicos na Grande Vitória, entre os anos 1970 e 1980, são uma das causas da violência. “É também uma questão cultural”, diz ela, defendendo mais investimento em prevenção. “A lei é boa, mas falta aplicabilidade”, afirma, lembrando que as Deams carecem de estrutura. “Funcionam sem apoio psicológicos e assistentes sociais”, critica.
Empenhada na realização de um amplo programa de combate e prevenção à violência, assistência e garantia de direitos, Hermínia Azoury diz que a meta é implantar quatro Centros Integrados da Mulher (CIM) na Grande Vitória, até dezembro deste ano.
O primeiro, em Vila Velha, deverá estar montado até o final deste mês. Cada Cim terá central de ocorrência policial, juiz, promotor de Justiça, defensor público, psicólogo, assistente social e médico perito. “Em locais sem estrutura muitas mulheres não vão denunciar”, diz ela, que em cinco meses diz ter recebido em seu gabinete seis vítimas de classe média alta espancadas por maridos.
Para ela, o tema tem que ser alvo de palestra em escola, para conscientizar hoje o adulto do futuro e evitar que a violência se reproduza.
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