segunda-feira, 2 de abril de 2012

Estudo do Cotidiano das Relações de Gênero e Raça do Município de Aracruz e Região


Nos dias de hoje aprendemos a conviver com a violência como se fosse algo do cotidiano. A violência está em todos os lugares: nas ruas, no cinema, nos bares, nas escolas, no futebol e até mesmo no carnaval. Um tipo que passa despercebido quando a família fecha as portas da sua casa e fica sozinho é a violência doméstica – problema recorrente no Brasil que inclui práticas de abuso sexual contra crianças e adolescentes, maus-tratos contra pessoas idosas e a violência física e psicológica principalmente contra as mulheres. Mesmo que 91% dos homens desaprovem a violência de gênero 01 em cada 03 mulheres já sofreu ou está vulnerável a algum tipo de violência na vida.

Ciúmes, dificuldade financeira e drogas são as principais causas de desentendimentos entre quatro paredes e o principal catalisador parece ser o álcool, mas o principal motivo é a questão cultural: sentimento de posse do homem sobre a mulher. Em 50% dos casos o agressor está embriagado. A violência de gênero infelizmente está muito presente em nossa sociedade. No Brasil a cada 24 segundos 01 mulher é espancada e 10 são assassinadas por dia.


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O ditado que diz “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” nos deixa parcial, inertes e alheios diante essa questão tão séria e que parece retratar a indiferença das pessoas com a violência de gênero: 06 em cada 10 brasileiros (60%) conhecem alguém que já sofreu com essa violência, mas só 28% orientaram as vítimas a buscar ajuda especializada. Ressalta-se que na violência doméstica 90% das vítimas são mulheres cujas agressões sofridas são física (com chutes e socos), psicológica (xingamento e falta de respeito), a moral (com difamações) e a sexual (quando a mulher é obrigada a fazer sexo com o companheiro). Dar um basta na situação de violência é muito difícil para a mulher, mas quando ela está decidida a dar um fim nessa situação o primeiro lugar que ela deve procurar é a Delegacia Especializada para Mulheres. No Brasil apenas 36% das mulheres agredidas procuram ajuda e 64% permanecem convivendo com a violência por medo.

No município de Aracruz infelizmente não existe ainda um órgão específico de notificação de casos de violência contra mulher: seja na saúde, na delegacia, no CREAS ou em outro local poder público. Isso significa uma inoperância total que reforça a violência de gênero e denota um certo tipo de normalidade com que a sociedade de modo geral trata essa questão social. É evidente que os casos existem, a violência acontece, mas não se tem números certos, estatísticas dos casos em Aracruz tampouco o atendimento que de fato a mulher merece e tem direito.

O CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social de âmbito nacional é um local que oferece atendimento a indivíduos e famílias que tiveram seus direitos violados e no município de Aracruz atende casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, pessoas idosas vítimas de maus-tratos, adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa e tem previsto o atendimento às mulheres vítimas de violência ainda esse ano. Um plano de ação está sendo elaborado, mas pouco se conseguiu em termos de dados como exemplo o perfil dessas mulheres e o mapa da violência para que um trabalho seja iniciado. Mas isso não é tudo, pois percebo um descaso e falta de vontade de todos os setores. É uma dura realidade, mas que acredito ser generalizada em nosso país.

Em termos de violência contra a mulher o CREAS conta com dados referentes a mulheres idosas vítimas de violência, cujos atendimentos iniciaram no início de 2011: até o dia de hoje foram atendidos 45 casos e desses 24 são mulheres. Os principais agressores: filhos e companheiros; os tipos de maus-tratos: negligência, agressão psicológica e verbal, usufruto indevido da renda da pessoa idosa. Infelizmente muitas tendem a proteger os agressores, pois estes são seus familiares, por medo, por temerem represália, por temerem morar em instituições de longa permanência.             Dentro desse quadro ainda existe outro agravante: o descrédito quanto ao sistema judiciário - as pessoas que denunciam esperam que a situação seja resolvida, mas ficam desacreditadas em virtude da morosidade da justiça e por isso tendem a desistir de continuar denunciando e procurarem ajuda; em termos de raça/etnia não se percebeu uma tendência de maior número das vítimas serem negras, mas sim de classe social mais baixa.

Fiz uma pequena pesquisa com 12 mulheres de um bairro do município de Aracruz. São mulheres com Ensino Médio Completo e Ensino Superior, muitas trabalham fora, apenas 01 ainda não tem filhos e que ainda mora com os pais, mas tem namorado. Os dados coletados foram/apontaram que:
Ø  100% das entrevistadas conhece alguma mulher que tenha sido vítima de algum tipo de violência praticado por homem.
Ø  50% descreveram as vítimas como brancas; 16,66% das entrevistadas descreveram as vítimas como sendo negras e 33,34% como sendo pardas.
Ø  58,33% disseram que o motivo da agressão foi a álcool; 16,66% que foi machismo; 25,1% atribuíram à desobediência e safadeza da mulher e ciúme do companheiro da vítima.
Ø  66,66% das entrevistadas disseram desconhecer outros casos parecidos.
Ø  58,33% disseram ter orientado a vítima a denunciar a violência ou buscar ajuda especializada.
Ø  66,66% das entrevistadas disseram que a vítima denunciou/buscou ajuda especializada.
Ø  50% das entrevistadas disseram que já foram vítimas de algum tipo de violência/gênero.
Ø  ­Apenas 33,34% das entrevistadas disseram ter conhecimento da Delegacia que atende a mulher vítima de violência no município.
Ø  83,33% disseram conhecer a nova a Lei Maria da Penha e alteração: de que qualquer pessoa pode denunciar a violência de gênero contra a mulher.

Diante da pesquisa pode-se ratificar que a bebida é o principal catalisador da violência doméstica contra a mulher. Que é grande o número de mulheres que vivem ou vivenciaram algum tipo de situação de violência de gênero. Que poucas mulheres denunciam a violência sofrida. Que muitas desconhecem o serviço mínimo oferecido à mulher vítima de violência no município, mas que grande parte já tem conhecimento da nova lei e sua alteração (Lei 11.340 – Maria da Penha).

Algumas reflexões devem ser realizadas diante resultado da pesquisa:
Ø  Que é grande o número de mulheres que vivem ou vivenciaram algum tipo de situação de violência de gênero: muitas remeteram à ideia de violência apenas praticada pelo companheiro e de forma física. Uma das entrevistadas disse “a gente que mora sozinha se sente coagida a todo o momento”.
Ø  Que poucas mulheres denunciam a violência sofrida em virtude de dependência financeira, pelos filhos, por não acreditarem na justiça, por medo de voltarem a ser agredidas.
Ø  Que muitas desconhecem o serviço mínimo oferecido à mulher vítima de violência no município: ficaram surpresas com a descoberta da delegacia da mulher no município e não concordaram com sua localização (anexo à delegacia que atende a população geral).
Ø  Com relação a maioria ser descrita como brancas sabe-se que a mistura de raças/etnia é grande em nosso país e que é complexa a definição desse quesito para toda a sociedade. Não existe um padrão ou definição quanto à descrição das raças/etnia em nosso país.
Ø  O ditado de que em briga de marido e mulher não se mete a colher foi percebido quando apenas 58,33% das entrevistadas disseram ter orientado a vítima a denunciar a violência ou buscar ajuda especializada: algumas entrevistadas que não orientaram disseram não ter intimidade com a vítima; que tinham desanimado em orientar devido à vítima sempre voltar para o companheiro e continuar o ciclo da violência. Na pesquisa uma entrevistada chegou a relatar que “Às vezes tem mulher que procura (ser agredida/apanhar)” o que demonstra a impregnação da própria mulher de que é normal a violência e a subordinação. Esse pensamento também apareceu na pesquisa quando o motivo da violência se deve à desobediência e safadeza da mulher. É lamentável que mulheres com certo grau de instrução e nível social ainda pensam de forma machista e sejam empobrecidas culturamente. Talvez seja reflexo da criação conferida e que tende a ser permeada dentro de sua família.
Ø  Quanto aos 66,66% das entrevistadas disserem que a vítima denunciou/buscou ajuda especializada: apesar disso algumas voltaram a ser agredidas; outras lamentaram ter procurado ajuda especializada em virtude da morosidade na resolução da violência, de ter que se expor a muitas pessoas e não ver a situação solucionada “denunciar para várias pessoas...é um sentimento de humilhação”.

Muito ainda tem que ser realizado em nosso município: melhorar os serviços que já existem como a Delegacia Especializada para Atendimento à Mulher, CREAS, Rede de Saúde e muitos outros. Criar instituições de Proteção à mulher que foi vítima de violência e muitas vezes que acolham também seus filhos. Capacitação para todos os profissionais que lidam com essa problemática e maior empenho, compromisso e dedicação daqueles que foram escolhidos e são pagos para representar e fazer valer o direito de todos, inclusive da mulher.


O que mata não é o machismo, mas sim a ignorância e o medo!

Fonte: Texto produzido pela aluna GPP-GeR/UFES - Jussara Lacerda Passos – Polo Aracruz – ES.

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